Passava todos os dias, sempre muito apressada. Os rapazes, que já sabiam mais ou menos o horário em que ela passava ficavam ali sentados na porta, conversando, rindo e esperando. A vida dela tinha um quê de misticismo, apesar de todos conhecerem seu irmão ela mesmo só falava com algumas pessoas, muito específicas.
Não era como as outras meninas do bairro, que paravam para conversar com Deus e todo mundo. Às vezes, parecia que ela não podia parar ou tinha medo de olhar nos olhos dos outros, dos desconhecidos que ela encontrava todos os dias.
Nesse dia, ela se atrasou. Cerca de meia hora. Os rapazes já começavam a pensar que este era um daqueles dias em que ela não passava ali, muito raros na verdade. Foram recolhendo as cadeiras, jogando fora as latinhas de cerveja e também as últimas palavras. Até que, de repente, ela apareceu na esquina... com o mesmo jeito de andar, com os olhos fixos e determinados, o cabelo sempre solto, balançando conforme a brisa que sempre estava ali para lhe dar as boas vindas. Era incrível como o vento sabia a hora certa de bater nos seus cabelos, como os carros sabiam a hora exata de não passar para que ela pudesse caminhar entre as ruas, como o sol batia em seu rosto e deixava suas bochechas rosadas, como suas mãos delicadas tiravam a franja de seus olhos e voltavam ao seu lugar lentamente...
Os rapazes, não se enganem, estavam ali para admirar e fazer uma das brincadeiras que mais gostavam: ver se conseguiam tirar alguma palavra de sua boca, mesmo que fosse a mais brava ou seca. Era tão raro ouvirem a voz da menina, tão raro que ela olhasse para eles, mesmo pelo canto dos olhos... Por isso, investiam em cantadas das mais variadas: "Você vem sempre aqui?", "Me dá uma chance!", "Quando você caiu do céu se machucou muito?" ou os tradicionais "Oi!" e "Oi gatinha!"... Era o máximo de criatividade que eles tinham e acreditavam realmente que poderiam alcançar seus objetivos com esse tipo de comportamento. Afinal, os meninos de 19 anos se acham irresistíveis!!
Mas nesse dia, como que por milagre, ficaram calados, mudos, quietos, apenas admirando a menina que passava. A menina segurava uma rosa carmim, que batia exatamente com o tom de batom que estava usando. Quem olhasse pra ela veria um quadro em preto e branco, com um forte tom de vermelho na rosa e na boca.
Ela teria ganhado a flor de alguém especial? Talvez um namorado ou pretendente que, como eles, também ficava olhando ela passar, em uma outra rua, outra esquina, e tivesse enfim conseguido tirar algumas palavras de sua boca? Talvez ela daria o presente a alguém? Sua mãe? Uma amiga?
E foi com esses pensamentos que os rapazes ficaram estáticos em cima da calçada, como observadores de pássaros que só olham de longe e não podem fazer movimentos bruscos, pois correm o risco de perder a maestria do que veem em segundos.
Eles esqueceram do apelo sexual que antes os movia, não ficaram comentando sobre suas curvas, pernas, seios... a admiraram, pela primeira vez, talvez pelo que ela realmente era, sentiram como se a conhecessem há muito tempo, como se soubessem de seus segredos mais íntimos, como se pudessem pegar nas mãos da menina e andar por aí, sem um destino certo...
Neste dia, a menina tinha um leve sorriso no canto da boca e ao notar o silêncio incomum que vinha do outro lado da rua, olhou para os rapazes e pensou por um momento que talvez pudesse, pela primeira vez, olhar em seus olhos ou dizer algo... sentiu uma certa confiança, mas logo seu recato falou mais alto, então ela olhou pra frente e seguiu seu caminho, não se sabe para onde.